terça-feira, 7 de junho de 2011

As palavras que eu já escrevi

Eu nunca fui muito boa com mudanças. Nunca fui muito boa em deixar pra trás os amigos da escola, as paredes de uma casa, as roupas furadas, os sapatos apertados, a textura das pontas dos dedos durinhos da minha vó fazendo carinho no meu cabelo e os sentimentos que ficavam pra trás com todas essas coisas. Nunca fui boa em me desprender de memórias, fossem elas boas ou ruins.

Nunca fui boa em deixar pra trás aquilo que eu queria levar pra sempre comigo, mesmo que me fizesse mal, mesmo que fosse uma daquelas lembranças que sufocam, um daqueles sentimentos que nunca você gostaria de ter sentido.

Nunca fui boa em entender essa coisa de presente se chamar presente. Sempre fui uma adepta convicta de que somos o resultado daquilo que já vivemos ou até mesmo daquilo que gostaríamos de ter vivido.

Nunca fui boa em lidar com a crueldade da minha memória tão presente e tão vívida sempre. Nunca fui boa em selecionar bons ou maus momentos. Nunca fui ao menos capaz de me dar o trabalho de esquecer de coisas que apertaram tão fortemente meu coração. Mas, ainda assim, fui capaz de aliviá-lo perdoando aquilo que era preciso.

Nunca fui boa, por outro lado, em perdoar a mim mesma por coisas que fiz ou que não fiz. Nunca fui boa em perdoar meus sentimentos mais errados, minhas impressões precipitadas, minhas decepções anunciadas, meus julgamentos errados, meus erros que parecem tão estúpidos agora.

Nunca fui boa em deixar pra lá os momentos em que eu chorei quando deveria segurar as lágrimas até estar embaixo do chuveiro, sozinha, entendendo o porquê daquilo tudo. Nunca fui boa em deixar passar em branco os momentos em que os acessos de riso foram inadiáveis, mesmo sem motivos aparentes. Rir sem saber do que se está rindo é uma das melhores lembranças que tenho.

Nunca fui boa em guardar em uma caixa no fundo de um armário os meus frios na barriga, minhas mãos hora geladas; hora suadas, as vergonhas, os medos, as ansiedades, as expectativas, as bochechas mais vermelhas do que o normal.

Hoje, diante de tantas mudanças e frente a decisões tão definitivas em um momento que às vezes parece tão cedo acho bom não ter sido tão boa em tantas coisas. Agradeço a crueldade e o espaço tão indefinido da minha memória. Foi isso que fez de mim essa mistura das coisas que já vivi, da importância de cada pedacinho desses 9283 dias em que passei cultivando as palavras que eu já escrevi.

Um comentário:

Suziane disse...

é tão engraçado que quando eu te leio, parece que estou lendo a mim mesma...e então me sinto confortável por não ser a única...
ADORO VC QUERIDA CARLA CAROL!